O imperialismo chinês na África
- mboona
- 8 de abr. de 2020
- 4 min de leitura
Atualizado: 10 de jan. de 2022
O imperialismo foi a política de dominação exploratória no âmbito político, econômico, social e cultural das poderosas nações dos países da Europa sobre vários países do mundo. Essas nações europeias invadiram e ocuparam muitos territórios apenas com a finalidade de expandir suas economias industriais.
Aos que se esmeram em demonstrar que o socialismo segue imparável o seu belo curso na China, gostaria de recordar, num registo muito mais terra-a-terra do que o deles, alguns dados concretos, todos referentes à expansão da influência daquele país em África, que não batem nada certo com essas suas análises, todas mais baseadas em idealizações do que em factos e acontecimentos concretos.
Longe de apresentar postulados ou enunciados de wishful thinking como vejo fazer a alguns entusiastas das atuais maravilhas chinesas, limitar-me-ei a falar com a máxima clareza daquilo que sei e vi nas minhas inúmeras estadias nos países que aqui mencionarei. Contraponho esta minha experiência real e vivida às considerações mal informadas que recorrem acriticamente a dados duvidosos e não comprovados de uma vasta literatura apologética que por aí circula, desinteressada de fazer demonstrações de veracidade.
Nos anos 90, Pequim apostou na diplomacia Sul-Sul: passou a investir mais no continente africano, sem imposição político-militar, alavancando projetos nacionais de desenvolvimento. Mas isso despertou a soberba das potências ocidentais…
Traçados esses parâmetros empíricos, é possível refletirmos sobre as abordagens ocidentalistas voltadas a configurar a presença da China na África como imperialista ou neocolonial. E nisso reside o entrelaçamento entre a má-fé patrocinada pelo centro do sistema com certas tendências etnocêntricas e até mesmo profundas incompreensões teóricas acerca dessas dinâmicas. Por um lado, atribuir perfil neocolonial à atuação chinesa na África significa assumir o desconhecimento acerca da história do imperialismo do século XIX e mesmo das práticas atuais das grandes potências norte-atlânticas, notadamente dos Estados Unidos da América, pautadas nas mais diversas ingerências externas diretas e indiretas em diversas regiões do globo.
A Assimetria
Por outro lado, é preciso considerar que, apesar das assimetrias, há importantes pontos de convergência entre os países emergentes e os países periféricos, em razão das disputas pela distribuição de poder no mundo. Ou seja, o relacionamento Sul-Sul se torna uma alternativa crucial para resistir aos constrangimentos que os países periféricos e emergentes estão submetidos ao adotarem seus projetos de desenvolvimento nacionais não alinhados aos interesses norte-atlânticos. Assim, não raramente estes mobilizam suas estruturas de poder e seus princípios legitimadores, como a defesa da “democracia”, dos “direitos humanos” e da “liberdade” para impor seus interesses.
Desde a Revolução Cultural, em 1949, há um estreitamento das relações entre a China e os países africanos. Naquele momento, essas relações foram impulsionadas por motivos políticos e ideológicos. Já a partir da década de 1980 e do acelerado crescimento econômico chinês, este país projeta-se para a África buscando recursos energéticos e acesso a matérias primas para sustentar seu crescimento. .
Em outras palavras, o imperialismo não pode ser reduzido ao processo de exportação de capitais, e de fato nunca foi, afinal a soberania política, a autodeterminação e o desenvolvimento nacionais conformam, conjuntamente, uma complexidade infinita de variáveis. Se as relações interestatais estão impregnadas de interesses nacionais e corporativos, de conflitos e assimetrias, é preciso compreender os padrões de relacionamento levando em conta a correlação de forças e as alternativas políticas em questão. Não se pode, pois, negligenciar que as relações sino-africanas não têm sido baseadas em qualquer imposição de modelos político-institucionais e de ajustes macroeconômicos; não recorrem às práticas de desestabilização e ingerências políticas e militares; têm proporcionado vantajosas condições de financiamento e disposição para a cooperação tecnológica; e ainda possuem uma agenda diplomática em muitos aspectos convergentes no que se refere à reorganização da governança do sistema internacional.
Isto não quer dizer que a presença da China e dos demais países emergentes na África esteja isenta de problemas e contradições. Ou seja, de modo algum se deve negligenciar as agendas conflitantes das distintas nações, os conflitos sociais intra e interestatais ou os embates entre os interesses governamentais e de certas corporações. No entanto, o dado central dessa questão reside no fato de que a presença dos emergentes – especialmente da China, mas também do Brasil, Índia e demais – têm ocorrido em prejuízo das grandes potências norte-atlânticas, sobretudo das antigas detentoras de vastos impérios coloniais (França, Reino Unido, Bélgica e Portugal), dos “desinteressados” e “altruístas” países nórdicos e da grande superpotência mundial, os EUA. A mesma carga dos frágeis argumentos que ataca as relações dos países africanos com a China também já foi utilizada quando do crescente adensamento dos vínculos entre o Brasil e os países africanos e até mesmo com seus vizinhos sul-americanos. Como exemplo, foi amplamente estimulada por veículos midiáticos franceses e ativistas políticos desorientados para obstruir relevantes iniciativas como a cooperação trilateral Brasil-Japão-Moçambique para a implementação do ProSavana em Moçambique, que teria crucial participação da Embrapa.
Assim, distintamente do que vem sendo apontado pelos formuladores do “neocolonialismo chinês” (ou até mesmo do “subimperialismo brasileiro”), essas relações têm se constituído, de forma geral, num flagrante elemento de promoção da estabilidade e desenvolvimento – e endossadas sem mecanismos de imposição político-militar ou técnicas de regime change. Isso ocorre porque se apresentam como alternativas para os países africanos na busca por melhores condições de crédito, pela atração de investimentos, pela obtenção de cooperação técnica, pelo fortalecimento de suas soberanias e, consequentemente, por maior convergência diplomática nas articulações em prol das reformas dos principais organismos multilaterais globais. Longe de representarem anseios imperialistas ou predatórios, atuam no sentido contrário, e exatamente por isso se tornam alvo predileto daqueles que, por detrás da retórica da liberdade e de um denuncismo de frágil sustentação empírica, visam sustentar as apodrecidas estruturas de dominação que lhes garantem um lugar ao sol.





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